Aguiarenses preocupados com aumento do custo de vida
Escalada dos preços obrigam a corte nas despesas, incluindo em bens essenciais
Para onde quer que olhemos quase tudo está mais caro. A inflação já pesa no orçamento mensal das famílias, que desde o início do ano têm vindo a lidar com o aumento generalizado dos preços, e as dificuldades tendem a agravar-se.
Os dados são do Instituto Nacional de Estatística (INE). A taxa de inflação em Portugal subiu para 9,3% em setembro, a mais elevada registada no país nas últimas três décadas. No entanto, mantém-se inferior à registada na zona Euro que, segundo a estimativa da Eurostat, foi de 10% no mesmo mês.
Quisemos perceber, junto de consumidores e comerciantes do concelho de Aguiar da Beira, a preocupação crescente não só do aumento dos preços, como também na mudança de hábitos de consumo.
Maria Adozinda Cardoso, feirante há 27 anos, mostra-nos o seu descontentamento. “Cada vez é pior. A mercadoria está cada vez mais cara. E o mercado e as feiras estão cada vez mais desvalorizados. Agora é cortar nas coisas essenciais. Em vez de teres dois pares, tens um. Se hás-de comer um bife, comes metade. Tem que ser assim. Tudo aumentou o dobro. E o que mata mais é o IVA”. Conta-nos, ainda, que com a idade que tem, já não devia fazer feiras. “Já não se ganha para andar aqui. É preciso pagar o espaço, pagar gasóleo, os empregados. É muita despesa, muito trabalho e pouco lucro. Antigamente, estávamos até tarde a vender, agora é uma feirita normal, às 12/13 horas está tudo vazio. Isto agora é só para não estarmos parados. Não é para a gente ganhar vida”.
Após reunião do Conselho de Ministros, decorrida no passado dia 5 de setembro, o Governo anunciou um pacote de medidas de apoio ao rendimento das famílias, de forma a mitigar o impacto do aumento dos preços e a devolver o adicional de receita de impostos, cobrada devido à inflação. No total, são 2,4 mil milhões de euros que se traduzem em apoios sociais e fiscais para as famílias fazerem face à subida da inflação, mas os portugueses referem que estes apoios são insuficientes.
“As coisas estão cada vez piores, e o poder de compra está a diminuir muito. A gente nota quando vai às compras, a alimentação já não é a mesma, porque não dá. E as pessoas que têm filhos ainda é pior. A ajuda que estão a pensar dar, aquilo não é nada. Por mais que tentem equiparar os salários, depois aumenta tudo outra vez. O apoio é bom, mas uma vez por ano não é nada. Não é suficiente. A vida não está fácil. E a guerra não pode ser desculpa para tudo”, confidencia-nos Carla Mendes, assistente social de profissão.
Transversal a todas as classes e estratos sociais, as preocupações são muitas. “Cada vez está tudo pior, e o poder de compra também. O Governo dá com uma mão, mas tira com as duas. Temos que apertar o cinto. Há muita gente que vai passar fome. Tenho uma reforma de 340 euros por mês. Se não tivesse a hortinha, como é que eu sobrevivia?”, questiona Orlando Silva. “Chego à farmácia e fica lá o dinheiro todo”, desabafa o reformado.
E as notícias só tendem a piorar. Além de significar um momento de difícil gestão para o orçamento familiar dos portugueses, prevê-se um agravamento da situação nos próximos tempos.
Um terço dos portugueses corta em bens de primeira necessidade e 19% em despesas de saúde
Segundo uma sondagem Expresso/SIC, realizada pelo ICS/ISCTE, o inevitável confirma-se: a maioria dos portugueses já corta no lazer, gás, luz, água e, inclusive, em bens essenciais para o dia a dia, reduzindo os consumos, para fazer face ao aumento dos preços. É no lazer que as famílias cortam primeiro, quando têm de controlar os gastos.
Assim, uma expressiva maioria, 72% dos portugueses, admitem evitar “despesas com atividades de lazer, tais como passeios, refeições fora de casa, hobbies, cinema ou espetáculos”. Mais de um terço, cerca de 37% dos que responderam a este estudo, dizem ter já reduzido o “consumo de alguns produtos de primeira necessidade”; e um em cada cinco, 19%, afirma ter cortado “em despesas de saúde, como consultas ou medicamentos”.
Já 62% das pessoas dizem ter “diminuído o uso de eletricidade, gás e/ou água em casa”, num contexto de aumento generalizado dessas contas, demonstrando como o aperto já chega a grande parte da classe média. Os dados detalhados provam isso mesmo: entre os que têm diminuído os gastos, 54% assumem ainda viver de forma confortável ou satisfatória, dos quais 67% estão em plena idade laboral, entre os 45 e os 64 anos, e 63% dos reformados têm reduzido estes consumos.
Cerca de dois terços dos inquiridos dizem-se “muito” ou “algo” preocupados com a possibilidade de deixarem de conseguir pagar as contas de luz, de água ou de gás. E 57%, exprimem o mesmo grau de preocupação para “conseguir pagar a renda ou a prestação da casa”.
Tudo isto, numa altura em que vários organismos internacionais, incluindo o Banco Mundial, já admitem que o país e a Europa estão a caminho de uma recessão global em 2023, à medida que os bancos centrais em todo o mundo aumentam as taxas de juro, em resposta à inflação. O que é certo é que o Banco Central Europeu já fez dois aumentos sucessivos dos juros de referência nos últimos meses, e prepara-se para fazer outros nos próximos. E a tendência poderá resultar numa série de crises financeiras em economias em desenvolvimento – muitas ainda a recuperar da pandemia.
Entre 1 de março e 31 de agosto, o preço do cabaz de bens alimentares essenciais aumentou mais de 21 euros, indica uma análise da organização de defesa do consumidor Deco Proteste, divulgada no início de outubro.
Dos 63 produtos que compõem um cabaz essencial, 55 subiram de preço, com destaque para a pescada fresca (67%) e os brócolos (47%). Mas outros produtos tiveram subidas de dois dígitos: a couve-coração e o óleo alimentar dispararam 36%, a batata vermelha está 33% mais cara, e um frango inteiro encareceu 30%, já para não falar que os legumes e as frutas lideram na variação de preços.
O cabaz essencial custava 185,17 euros a 1 de março deste ano, tendo aumentado para 206,39 euros no último dia de agosto. Ou seja, os consumidores passaram a pagar mais 21,22 euros pelos mesmos alimentos, no espaço de seis meses.
Perante este aumento significativo dos preços e de tudo o que a inflação acarreta, é mais do que evidente que o comportamento das famílias já começou a mudar. E a esmagadora maioria não acredita que a situação melhore num futuro próximo. Pelo contrário. A convicção generalizada, de nove em cada dez portugueses, é que “o pior ainda está para vir”.
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