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Covid-19: O regresso da telescola

Sistema complementa ensino à distância

A suspensão definitiva das aulas presenciais para alunos até 16 anos levou as autoridades portuguesas a recuperar a telescola, lições por televisão nascidas durante a ditadura salazarista, em 1965, que vão agora permitir que 850.000 menores não percam as aulas devido ao coronavírus. O resgate destas aulas chega como complemento ao ensino à distância que se realiza no país desde que o governo suspendeu as aulas presenciais a meados de março.

O problema é que nem todos têm acesso à tecnologia necessária para este novo paradigma de ensino. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, cerca de 5% das famílias com filhos até aos 15 anos não têm internet em casa.

Foi para dar resposta aos alunos que ainda não têm acesso à internet que foi recuperada a telescola, que agora se chama #Estudoemcasa e começou a ser emitida a 20 de abril último pelo canal público RTP Memória, com uma aula de português para os primeiros dois anos da primária.

Esta funciona como um complemento à formação que os estudantes recebem por outras vias e ao acompanhamento dos professores habituais. “É um recurso, não é obrigatório, fica ao critério do professor e do conselho de turma a sua utilização, se for considerada oportuna”, esclareceu a diretora do Agrupamento Escolar de Aguiar da Beira, Elisabete Bárbara.

As aulas televisivas, de meia hora, começam às 9 horas para os mais pequenos e sobem progressivamente de nível – com mudança de docentes -, até chegar ao conteúdo para os mais velhos, até ao final da sua emissão, às 17h30. No total, cada ano têm uma hora de aulas, dividida por um breve intervalo.

“Assisti à inauguração do #Estudoemcasa e estive particularmente atenta ao 7º e 8º anos e ao 9º ano, de português, fui vendo breves excertos de outras disciplinas e anos. Dou os meus parabéns a todos os professores que aceitaram, em tão pouco tempo, entrar neste desafio. Arregaçar as mangas, ir para a frente das câmaras, é um ato de coragem que deve ser publicamente reconhecido”, disse Sandra Correia.

A professora de português no agrupamento de Aguiar da Beira refere que “há conteúdos que já foram dados, é certo, mas temos de ter o cuidado necessário ao dar novos conteúdos. Chegarão a todos? Compreenderão todos? Também são questões que me trazem preocupação. Lancei o desafio aos meus alunos, pedi-lhes para verem. Nunca é demais rever “O Cavaleiro da Dinamarca” ou as classes de palavras e sobretudo “Os Lusíadas”, noutra voz que não a minha”.

“Nos 7º e 8º anos, o tema da bravura e da temeridade, neste contexto da pandemia, foi uma excelente escolha para iniciar. Haverá sempre quem discorde, é normal, neste tempo de mudanças, tudo é imperfeito e só corrigindo falhas é que paulatinamente poderemos alcançar melhores apresentações”, considerou.

A iniciativa #Estudo em casa conta com a participação de 112 professores, oriundos de seis escolas públicas e duas privadas, que lecionam os conteúdos em ciências e letras em frente às câmaras.

 

Telescola de Pena Verde

As aulas por televisão nasceram em 1965, com a RTP, para manter escolarizados os menores que na altura deixavam a escola por motivos económicos ou dificuldade de deslocação devido a uma deficiente rede de transportes. O regresso do formato gerou também uma certa nostalgia entre muitos portugueses adultos que aprenderam com a telescola na sua infância, nomeadamente em Pena Verde, a única freguesia do Concelho de Aguiar da Beira que beneficiou desse sistema.

“Em Pena Verde, a telescola deve ter sido criada por volta do ano 1975”, recorda Maria Tavares, professora naquela telescola entre 1977 e 1979, onde lecionava letras, ginástica e religião e moral.

“Tinha 30 e tal alunos do 1º e 2º ano (atuais 5º e 6º) do ciclo preparatório, alguns deles acabaram por se formar a nível superior. Contudo, aos olhos de muitos, a imagem dos alunos que estudaram na telescola era má, mas foi essencial para muitas crianças do interior, que sem essa possibilidade não teriam a oportunidade de estudar. Acho que foi um sistema que, na altura, valeu muito a pena, permitiu a muitas crianças completar a sua formação, mas era precisa muita dedicação”, vincou.

“A base do sistema de ensino era através da televisão. A emissão era feita a partir dos estúdios da RTP no Porto, mas as condições de transmissão eram más, com algumas interferências. Eu consolidava a matéria aos alunos, explicando os conteúdos”, contou.

Quanto à nova telescola, a professora aposentada confessa que já assistiu a uma aula de matemática, considerando “o sistema interessante e com muito melhor transmissão”.

Fátima Tavares, filha da professora Maria Tavares, foi uma das alunas que, entre 1977 e 1979, frequentou e completou com sucesso o ciclo preparatório na telescola de Pena Verde.

“Considero que foram dois anos letivos de muito boa formação académica. As aulas pela televisão ocupavam sensivelmente metade do tempo da aula, sendo o restante em sala, com uma professora que dava continuidade através de fichas e atividades propostas. Os professores eram excelentes, muito bons, o que permitia manter o interesse da classe e o entusiasmo dos alunos. Não me recordo que houvesse lugar a grandes distrações, até porque a professora estava permanentemente em sala connosco”, lembra.

“Não senti na altura, nem sinto hoje, que o ensino fosse de pior qualidade, prova disso, foi que no 7º ano entrei no 3º ciclo, sem a menor dificuldade, ao nível dos restantes colegas de turma”, refere Fátima, que acabaria por se formar a nível superior em matemática aplicada e gestão e economia, sendo atualmente gerente de uma entidade bancária.

“Honestamente, não sei estabelecer um paralelo entre a atual telescola e a de então, até porque nem sequer tenho acompanhado o tema com proximidade, pois não tenho filhos em idade de frequentar as aulas. De qualquer forma, espero que os alunos tenham tanto sucesso como muitos de nós que tivemos essa oportunidade”, desejou.

A telescola permitiu a milhares de alunos completar a sua formação, e o seu êxito foi tal que continuou a ser emitido muito depois do fim da ditadura em 1974, com a sua última transmissão em 1987, embora tenham continuado até ao ano 2000 a fazer vídeos deste tipo que eram enviados às escolas para a sua visualização nas aulas.

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