Nuno Santos: “Situação é extremamente exigente para utentes, familiares e colaboradores”
Os lares de idosos são uma das grandes preocupações nesta pandemia Covid-19, pois é onde está uma grande parte do grupo de risco. A nível nacional e regional temos assistido à propagação deste vírus pelos clientes e profissionais dessas instituições. Apesar do grande número de estruturas e de pessoas instaladas nessas residências no Município de Aguiar da Beira, ainda não se verificou qualquer caso de infeção em nenhuma delas.
Nuno Santos lidera, desde fevereiro de 2018, quatro instituições sociais no concelho, duas delas com a resposta de lar e residência para idosos, e conta como está a ser a luta diária de clientes, famílias e trabalhadores para evitar a entrada do vírus e o contágio.
O presidente do Centro Social Paroquial de Dornelas, Centro Social Paroquial de Forninhos, Centro Social Paroquial de Pena Verde e Centro Social Padre José Augusto da Fonseca agradece ainda todo o empenho e abnegação dos colaboradores e diretores das instituições, demonstrado no combate contra esta malfadada epidemia. “A solidariedade vai sair reforçada e vencer esta batalha”, afirma.
+Aguiar da Beira (+) O nosso concelho dispõe de um grande número de estruturas e de pessoas instaladas nessas residências, e ainda não se verificou qualquer caso de infeção em nenhuma delas. É presidente de quatro IPSS, duas delas com lares em atividade, como estão a lidar com o momento?
Nuno Santos (N.S.) Literalmente, ‘com o coração nas mãos’, primeiro, pela enorme apreensão derivada do permanente receio de que a pandemia nos entrasse pela casa a dentro, segundo, porque foi necessário arregaçar as mangas e colocar ‘mãos à obra’, o esforço de adaptação foi enorme, na implementação de diversas medidas, que foram chegando em catadupa, de modo a mitigarmos os efeitos do contágio, assegurando a proteção de utentes e colaboradores.
(+) Quais foram as principais medidas que tiveram de implementar nos lares e estruturas residenciais?
N.S. A proibição de visitas; criação de espaços para isolamento para casos suspeitos; reforço da higienização dos espaços; sensibilização permanente dos utentes e colaboradores para os riscos de contágio, higienização das mãos, etiqueta respiratória, afastamento social, uso de equipamento de proteção individual; registos diários de temperatura (utentes e colaboradores); separação de espaços e limitação de utilização dos mesmos, de modo a diminuir o aglomerado de pessoas; equipas de trabalho em ‘efeito espelho’ com horário de trabalho de 12 horas em jornada continua, durante sete dias consecutivos; adaptação de novos espaços de alojamento para a eventualidade de contágio e a necessária separação dos utentes; aquisição de equipamento para realização de videochamada com exterior; entre outras.
(+) E nos centros de dia e apoio ao domicílio?
N.S Os centros de dia foram encerrados e os serviços domiciliados. Quanto ao serviço de apoio domiciliário (SAD), numa primeira fase, foram suspensos alguns serviços, outros reduzidos, como limpezas domiciliárias e algumas higienes pessoais, sendo que, tais medidas foram sempre articuladas com as famílias. Diariamente foi assegurado o contacto com os idosos, pela visita domiciliar das equipas operacionais, bem como, através de telefonemas realizados pelas assistentes sociais. Neste momento, o SAD tem os serviços praticamente normalizados, quanto aos Centros de Dia continuam encerrados por imposição legal.
(+) Certamente que foi um processo difícil, tendo em conta o alarmismo à volta desta crise de saúde pública e a necessidade imediata que tiveram de tomar medidas para conter a propagação do vírus. Como foi a adaptação dos colaboradores, clientes e seus familiares?
N.S. Foi extremamente árduo para toda a gente. Os colaboradores têm sido autênticos heróis, sujeitando-se a horários e dinâmicas de trabalho com exigência aumentada. Quanto aos utentes, lembro que já estão confinados aos espaços residenciais há cerca de dois meses, sem as visitas presenciais dos seus familiares, o que por si é brutalmente exigente e injusto. Tenho para mim que, uma das piores consequências do impacto desta malfadada Pandemia na vida dos humanos, foi privar-nos do afeto físico. Temos recorrido a videochamadas para assegurar o contacto visual, mas não é a mesma coisa!
(+) Nesta altura, quais são as principais preocupações e as necessidades que apresentam?
N.S. Seguir todas as orientações sanitárias para evitar o risco de contágio, não podemos baixar a guarda. Depois, estamos preocupados com a exaustão dos nossos colaboradores, não sabemos até quando vamos ter de manter a organização do trabalho nestes moldes, mas como antevemos que o caminho será longo, teremos de estar atentos a esta situação, para evitar um ‘burnout’ coletivo. Ademais, em termos financeiros já estamos a sentir o impacto da crise económica que se está abater sobre a nós, quer pela via do aumento das despesas – foi significativo devido à aquisição de material de proteção individual (EPI), altamente inflacionado no mercado, quer por via do custo derivado do acréscimo de horas de trabalho dos colaboradores, a par disso deparamo-nos com uma diminuição das receitas, devido à suspensão de alguns serviços e da diminuição de utentes (levamos 2 meses sem novas admissões). Felizmente temos contado com donativos de EPI, por parte da Câmara Municipal de Aguiar da Beira, tem sido solicita e próxima das nossas IPSS, também temos contado a solidariedade de algumas associações, empresas e instituições, pessoas individuais das nossas comunidades, a quem aproveito para agradecer sentidamente! Porém, continuamos a sentir algumas carências de equipamentos desta índole.
(+) Estão preparados para lidar com a doença dentro das instituições?
N.S. Preparados a 100% não estamos. Desde logo, não somos unidades de prestação de cuidados de saúde, apesar de felizmente podermos contar nas nossas estruturas com profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), que aliás têm sido cruciais neste processo, aquém deixo um justo agradecimento. Porém, temos planos de contingência implementados, onde estão desenhadas medidas de atuação no caso de nos depararmos com algum foco de contágio interno, contamos com espaços preparados para separar os utentes, ainda que limitados, que certamente nos permitirão hoje lidar muito melhor com a doença covid-19 do que há um mês atrás. Contudo, espero que todos os esforços, que acreditem têm sido enormes, na prevenção continuem a ser bem-sucedidos. Mas, como ninguém está imune, caso o pior venha acontecer, espero que o SNS não nos abandone à nossa sorte e possamos contar com apoio concreto do SNS no tratamento das pessoas.
(+) O governo anunciou, há já algum tempo, a realização de testes a todos os lares. Aqui no concelho só começaram a ser feitos os exames com zaragatoa, que permite analisar se está ou não infetado, no final do mês anterior e no início deste. Considera que esta medida é essencial, ou deveria optar-se por outro tipo de teste que permita analisar a imunidade?
N.S. Nos dias 29 e 30 de abril foram testados todos os colaboradores do Centro Social Paroquial de Dornelas, felizmente o resultado foi negativo. O que é que isso nos permite assegurar(?), apenas que, nessas datas e minutos não tínhamos casos. Realisticamente, os testes são uma fotografia daquele momento e pouco mais. Contudo, na minha opinião, estes testes são importantes, desde logo para despistar, como o vírus tem uma forte carga assintomática, podemos achar que tudo está bem e não está. Também, quanto mais precocemente identificarmos um foco, tanto mais celeremente poderemos intervir, no tratamento e irradicação do mesmo. A 5 de maio são testados os colaboradores do Lar do Centro Social e Paroquial de Pena Verde e, em seguida, as colaboradoras da creche do Centro Social Padre José Augusto da Fonseca. Quanto a outro tipo de testes (sorológicos) espero que em breve possam ser aplicados, por si, serão um excelente instrumento para a compreensão científica e sociológica desta impactante pandemia.
(+) Entrámos agora na fase de desconfinamento parcial. Como estão a preparar o desconfinamento no setor social?
N.S. Para já, no respeitante às estruturas residenciais para idosos e pessoas portadoras de deficiência, ainda não foram anunciadas medidas. Penso que serão os ‘últimos dos últimos’ a ‘desconfinar’, tendo em conta a vulnerabilidade desta população. Neste capítulo, temos de aguardar pelas orientações das autoridades sanitárias. Entretanto, estamos a preparar a reabertura da Creche do Centro Social Padre José Augusto da Fonseca. Segue-se o Centro de Atividades Ocupacionais no CSP de Dornelas, que também já tem autorização para reabrir, a partir de 18 de maio, em seguida o Centro de Atividades de Tempos Livres em Aguiar da Beira. Este desconfinamento terá de ser gradual e sempre em concertação com as Autoridades Sanitárias e Proteção Civil Municipal. Aguardamos por orientações, para tomarmos decisões que terão de ser seguras, pois em causa está a saúde das pessoas.
(+) Como analisa as medidas tomadas pelo governo para prevenir o contágio nas instituições e a crise no setor social?
N.S. Genericamente, considero que foram medidas positivas. Acho que ninguém estava preparado para uma situação destas. Quanto aos lares de idosos, a dada altura a sensação que tivemos era de que estávamos entregues à nossa sorte, isto porque começamos a perceber que os idosos infetados nos lares aí permaneciam, não havendo lugar para eles em contexto de unidades de saúde, o que no mínimo, foi dramático. Ademais, deveríamos ter contado com mais materiais de proteção individual (EPI) e que esse mercado deveria ter sido regulado, de modo a evitar a selvajaria a que assistimos. Neste particular, tirando a ajuda da câmara municipal, da parte do governo central nada nos chegou. Aguardamos por apoios a contratos do estado para o processo de desconfinamento, que terá a sua complexidade e custos que não poderemos suportar sozinhos.
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