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O fórum das raposas

José Júlio Campos | Professor |

“O fórum das raposas”

De alguns anos a esta parte, dois acontecimentos, coincidentes em janeiro, assinalam uma espécie de rentrée política e económica mundial. Falo do Forum Económico Mundial, que ocorre, anualmente, em Davos, na Suíça, e da divulgação do relatório anual da Oxfam. Obviamente, a coincidência temporal desses acontecimentos não é um mero acaso, uma vez que ela impõe uma leitura interpretativa mútua. Efetivamente, se o Forum de Davos representa o encontro litúrgico de uma espécie de confraria do poder económico e político, no início de cada ano, marcado pela proclamação de um conjunto de litanias a favor da redução da pobreza e das desigualdades no mundo, o relatório da Oxfam apresenta, cruamente, os números que demonstram, de forma inexorável, os resultados da hipocrisia de Davos – a pobreza e as desigualdades agravam-se ano após ano. O relatório deste ano dá conta de algumas vergonhas como estas: um por cento dos mais ricos do mundo detém mais do dobro da riqueza de noventa e dois por cento dos restantes; dois mil bilionários têm mais riqueza do que 60% da população mundial; os 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que o conjunto de todas as mulheres que vivem em África; quase metade da população no mundo sobrevive com menos de 5,50 dólares (4,9 euros) por dia. O relatório intitulado “Tempo de Cuidar” revela também que muitos governos estão a cobrar cada vez menos impostos aos mais ricos e a grandes empresas, abandonando a opção de obter os recursos necessários para reduzir a pobreza e as desigualdades. Vale a pena ver este relatório com mais pormenor para percebermos o tipo de mundo que estamos a caucionar com as nossas escolhas políticas e ideológicas.

Os números do relatório da Oxfam não podem ser interpretados como o falhanço das supostas boas intenções dos oficiantes de Davos, (até porque eles não costumam falhar!), mas antes como a confirmação de uma indecente, porque mal intencionada, hipocrisia: em nome de uma proclamada intenção de combater a pobreza e as desigualdades, o Forum Económico Mundial não é mais do que uma celebração do capitalismo, cujo único e último fim é o aumento exponencial do lucro. Ora, acontece que esse aumento é absolutamente incompatível com uma distribuição mais justa e equitativa da riqueza. Davos é, pois, a imagem fiel de um encontro de raposas que se reúnem sob o alegado pretexto de melhorar a vida das galinhas. Os relatórios da Oxfam confirmam-no todos os anos.

No Forum deste ano, as ditas “raposas” escolheram como um dos temas a defesa da ecologia e do clima. Deve ter sido por isso que Trump, um dos maiores negacionistas das alterações climáticas e promotor de políticas económicas destruidoras do planeta foi uma das figuras de cartaz! Como se alguém acreditasse que ele, ou outros como ele, quisessem dar algum contributo para o desenvolvimento de economias sustentáveis ou para a defesa do planeta. Acreditar nisso é como acreditar que existem raposas interessadas em reforçar a segurança do galinheiro sob pena de tornar impossível a sua própria entrada nele! O capitalismo, de que Trump é um dos principais ícones, assenta na doutrina da exploração ilimitada dos recursos naturais e na convicção negacionista de que eles são inesgotáveis. É por isso que pôr capitalistas a fazer promessas de defesa do clima e dos recursos naturais do planeta é a mesma coisa que pôr um agiota a prometer empréstimos sem juros: ninguém acredita! Dito por outras palavras: quando um capitalista promete reduzir a pobreza e as desigualdades, ou quando garante estar disposto a fazer alguma coisa para reduzir a exploração e a destruição dos recursos naturais, isso só pode ser uma rotunda mentira.

O Forum de Davos constitui, pois, um grande embuste anual, criado e promovido para enfeitar a raposa com penas de galinha, (ou vestir o lobo com pele de cordeiro) como fica provado todos os anos com os relatórios da Oxfam e todos os dias com factos que saltam à vista de qualquer ser racional minimamente atento e perspicaz.

NOTA DE RODAPÉ: Uma das figuras (pelos vistos uma “figurona”!) convidada para o Forum de Davos deste ano e desconvidada à última hora, não pelo assalto ao galinheiro de que há muito se falava, como quiseram fazer crer os organizadores do conclave do dinheiro, mas por ter sido apanhada, foi uma tal de Isabel dos Santos. Uma raposona que, eventualmente, merecerá, noutra ocasião, um tratamento mais aprofundado, mas que é um belo exemplar de alguma da bicharada que prolifera por Davos em janeiro.

 

José Júlio Campos

jjfcampos@hotmail.com
pensarnotempo.blogspot.com

Edição 115, 11 de janeiro de 2020

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