“O vírus nunca chega cá!”
Altino Pinto | Diretor
Após algumas “ameaças” e de já há algum tempo o “inimigo” rondar o território, o mais temido acabou por acontecer quase seis meses depois de o novo coronavírus ter surgido na China e dois meses depois de ter chegado a Portugal: o primeiro caso positivo de Covid-19 registado no Concelho de Aguiar da Beira. Era inevitável, sabíamos, mas quanto mais tarde acontecesse melhor preparados estaríamos para lidar com o problema. E assim se verificou, a vítima da infeção provocada por SARS-CoV-2, profissional de saúde numa unidade de apoio a grupos de risco de um município vizinho, rapidamente foi confinada e foram despistados os seus contactos próximos, evitando (pelo menos até ver) que o contágio alastrasse.
Ora, a questão não é como é que o vírus aqui chegou, porque já sabemos que ele não circula sozinho (propaga-se através do contacto entre pessoas) e não avisa quem é o portador (no caso dos assintomáticos) ou pode demorar a dar sinal de vida (até 14 dias desde a exposição até ao aparecimento de sintomas). A pergunta é: como é que demorou tanto tempo a chegar aqui?
Apesar do nosso concelho e a região onde estamos inseridos sofrerem de graves problemas de despovoamento e desertificação, não estamos isolados e existe uma grande mobilidade de pessoas: com os estudantes do ensino superior, os utentes e profissionais do setor social, os empresários, os comerciantes, os transportadores (quer de pessoas, quer de mercadorias), com a grande comunidade migrante, por exemplo, entre outros. Todos eles eram e são altos potenciais recetores e transmissores do vírus, pois a sua atividade desenvolve-se sobretudo em zonas de risco elevado, onde os focos e as cadeias de transmissão estão fortemente ativas, como os centros urbanos nacionais e territórios no estrangeiro – Espanha, Suíça, França e Itália -, países extremamente afetados pela pandemia.
Portanto, o facto de vivermos no meio rural, com menos pessoas, e, por isso, ser um local menos propício a ser atingido pelo vírus (todos nós já ouvimos ou dissemos a expressão “o vírus nunca chega cá!”), é mito! Já chegou, era só uma questão de tempo. Acho mesmo que foi uma “sorte” não ter havido nenhum caso positivo mais cedo, pelas razões que enumerei, mas, fundamentalmente, por alguns comportamos negligentes e desobedientes, que, sobretudo, e sem particularizar, algumas dessas pessoas de “alto potencial” tiveram ao longo deste estado. Vivemos numa sociedade conectada, onde o problema de um pode ser o problema de todos, como é caso.
Não foi só por “sorte” que o vírus não chegou mais cedo. Felizmente, tem havido uma clara compreensão, responsabilidade, união, colaboração e solidariedade entre a maioria da população, residente e não residente, e as entidades e autoridades do concelho na prevenção e na contenção da propagação da doença. Na generalidade, também, tem existido uma certa consciência nacional e uma boa resposta do governo no combate a esta crise.
A primeira batalha foi ganha, com o controlo da infeção e da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde e de assistência social, lamentando em todo o caso as mais de mil vidas perdidas e o agravamento das desigualdades sociais. Embora ainda não exista previsão para a vacina ou um medicamento eficaz que erradique a doença, há, agora, um satisfatório número de testes e máscaras (que deveriam ser gratuitas e não comercializadas a preços superinflacionados) para a população, afim de se reduzir a taxa de disseminação. Mas, a “guerra” está longe de estar vencida e o risco de transmissão aumenta com o desconfinamento.
Conquistámos em março e abril a “liberdade” que começamos a usufruir em maio. Uma liberdade ainda muito limitada… o confinamento passa a ser apenas obrigatório para pessoas infetadas e em vigilância ativa, as restantes têm o dever cívico de recolhimento domiciliário, os eventos ou ajuntamentos com mais de 10 pessoas estão proibidos e a lotação em espaços fechados é também ela limitada. Há ainda a obrigatoriedade do uso de máscara e a higienização regular nos espaços fechados e a condição do distanciamento físico de dois metros. Os serviços e as atividades económicas vão reiniciando devagarinho e com regras. Mas, com todas estas normas e condicionamentos, estamos muito longe da normalidade, falta a confiança para que possamos “viver”! Resta-nos continuar comprometidos e unidos, para, em breve, voltarmos a estar livres e juntos. Vamos vencer!
Altino Pinto
Edição 119, 9 de maio de 2020
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